A QUARESMA DE 150 DIAS
Por Diego Fávero¹
É no mês de novembro, quando boa
parte do País está com cabeça nos preparativos para as festas de
fim de ano, que a cadeia produtiva do pescado começa a se estruturar
para a Semana Santa do ano seguinte. A Quaresma, que culmina na
Sexta-feira Santa e o domingo de Páscoa, rende às indústrias e
distribuidores de peixes e frutos do mar um faturamento que muitas
vezes sustenta boa parte da operação das empresas ao longo de todo
o ano. O volume negociado chega a triplicar nesta época, o que cria
um desafio logístico de proporções gigantescas.
A oferta de pescado no Brasil não é
das maiores do mundo, uma vez que o consumo ainda está abaixo dos
16 kg per capita anuais recomendados pela FAO-ONU, mas a expansão é
nítida. A última estimativa realizada pelo Ministério da Pesca e
Aquicultura (MPA) é de que o País já consuma 14,5 kg per capita ao
ano, em uma trajetória que registra evolução próxima a 30% ao ano
nos últimos cinco anos. O setor cresce a uma velocidade muito
superior à média da evolução do PIB, ainda que não seja tão
representativo na comparação com o trade global – o
pescado representa 60% das exportações mundiais de proteína
animal.
Segundo o último boletim estatístico
do MPA, baseado em 2011, o País produziu em torno de 1,43 milhão de
toneladas de pescado, dos quais 803 mil toneladas foram provenientes
da pesca extrativa e 628 mil toneladas tiveram como origem o cultivo
comercial de espécies como a tilápia e o camarão – a
aquicultura. O Secretário-Executivo do ministério, Átila Maia,
estima que a produção em 2013 tenha superado 2 milhões de
toneladas.
Ainda assim, a produção nativa não
dá conta da demanda por pescado e abre espaço para a importação.
Em 2013, o Brasil importou 383 mil toneladas de países como o Chile,
China, Noruega, Argentina e Vietnã – as cinco principais origens
dos peixes e frutos do mar disponíveis aqui. Só de salmão e
bacalhau o Brasil comprou mais de 118 mil toneladas, enquanto nos
filés brancos de peixes como pangasius, polaca do Alasca e merluza
ultrapassamos 160 mil toneladas.
Por mais inusitado que possa parecer,
são justamente os peixes importados que compõem a parte principal
da oferta de pescado disponível no varejo durante a Semana Santa.
Fora desta época, os espaços nas gôndolas se dividem em 70% de
espaço para os importados e 30% para produtos nacionais. No feriado
mais importante do ano para esta cadeia o forte fluxo de importados
faz essa diferença se acentuar ainda mais, por conta dos hábitos
enraizados de consumo de bacalhau e os preços praticamente
imbatíveis dos filés asiáticos.
Para que os supermercados construam
essa oferta massiva de produtos a que assistimos na Quaresma, tudo
começa, como dissemos no início do artigo, em novembro do ano
anterior. É nesta época que tem início a etapa do Global
Sourcing, ou seja, a busca por fornecedores e produtos que
estarão nas prateleiras no ano seguinte. É hora de compor o estoque
de itens que oferecerá diferenciação, inovação e garantia de
suprimento aos clientes do varejo.
A regularidade no fornecimento
garantida pelos fornecedores estrangeiros possibilita uma projeção
e controle de estoque de que o varejo brasileiro, notadamente as
grandes redes, não abrem mão. É uma época em que não podem haver
quebras de oferta ao consumidor. A produção nacional, embora em
ascensão, sofre com uma mistura de problemas que vão desde
deficiências de escala produtiva e questões climáticas até
quebras na cadeia logística resultantes da notoriamente precária e
ineficiente infraestrutura brasileira.
Tal deficiência não poupa importados
ou nacionais. O pescado que tem o exterior como origem nem sempre
chega ao Brasil com estabilidade de temperatura e muitas vezes o
importador não dispõe de ferramentas para se assegurar que não
houve flutuações térmicas. O nacional sofre com os problemas já
citados. O fato é que do barco ou cultivo ao prato do consumidor,
existem muitas etapas que proporcionam quebras, como o
descarregamento, estocagem da matéria-prima, transporte às
indústrias, traslado a distribuidores, armazenamento em câmaras
frigoríficas, entrega no ponto de venda e refrigeração nas
próprias lojas.
A etapa da Armazenagem e Estocagem é
crítica. Pescado é uma matéria-prima com altos índices de
perecibilidade, o que exige um controle estrito da temperatura de
produtos congelados ou resfriados. No caso de produtos frescos como o
salmão, o gelo e as embalagens de isopor permitem manter os
termômetros entre 0°C e 2°C. O desafio parece maior no caso dos
congelados, que demandam uma flutuação entre -18°C e -25°C e
depende de estruturas frigoríficas muito eficientes.
Nem sempre os Centros de Distribuição
asseguram todas estas condições. E é justamente na Quaresma que os
problemas ficam mais evidentes. Os peixes e frutos do mar competem
com ovos de páscoa e outros produtos sazonais que muitas vezes
dividem o mesmo espaço em estruturas que não são especializadas em
pescado. O movimento nos armazéns chega a triplicar e o índice de
perda, normalmente entre 2% e 4%, quase dobra.
Quando os produtos saem para fase
final, a Distribuição Física, o reflexo de toda essa dinâmica
precisa ser contornado pelos operadores logísticos. Seja no modal
rodoviário, aéreo ou ferroviário, é fundamental que o módulo de
transporte da carga seja adaptado para evitar flutuações térmicas.
Mas, além dessa
obrigação básica, nesta época do ano ocorrem aumentos no custo de
fretes, superlotação nos CDs dos clientes, concorrência intensa na
superfície de vendas e outros fatores que decorrem do grande aumento
no volume de carga transportada. Tudo isso para assegurar que, no
Domingo de Páscoa, o Pescado esteja à altura da importância da
data.
Diego Fávero é Conselheiro da
Abralog e Diretor de Supply Chain do Grupo 5 - diego@grupo5bs.com.br
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